Gastos com despesas como passagens aéreas e aluguel de carros foram 39% menor na atual legislatura, mas ainda assim somam R$ 14,1 milhões

Publicado originalmente no Diário Catarinense em 20/11/21

 

Parlamentares de SC gastaram R$ 14,1 milhões em cotas desde 2019
Parlamentares de SC gastaram R$ 14,1 milhões em cotas desde 2019(Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Os 16 deputados federais e os três senadores de Santa Catarina gastaram juntos R$ 14,1 milhões em cotas parlamentares ao longo dos quase três anos de mandato, exercidos de 2019 até agora. A cota parlamentar é oferecida para reembolsar despesas como passagens aéreas com destino ao estado de origem do parlamentar, aluguel de carros, combustível, gastos de escritório, divulgação do trabalho legislativo e outros. Os dados são dos portais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

O valor da cota parlamentar varia entre os estados porque considera o preço dos deslocamentos de avião. Para parlamentares de Santa Catarina, a cota atual é de R$ 39 mil ao mês. Isso representa um teto de R$ 468 mil ao ano para a cota dos catarinenses. Apenas no primeiro ano do mandato, em 2019, houve deputados que chegaram próximo desse limite máximo.

Em 2021 já foram gastos R$ 3 milhões nas cotas para deputados federais, entre janeiro e outubro. O valor é 7% maior do que o consumido no mesmo período de 2020, ano de início da pandemia, quando os gastos foram de R$ 2,8 milhões nos 10 primeiros meses do ano.

O maior gasto em cota parlamentar até o momento, no entanto, foi registrado no primeiro ano de mandato dos deputados, em 2019. Na ocasião, foram reembolsados R$ 4,4 milhões de janeiro a outubro e R$ 5,2 milhões em todo o ano.

A atual legislatura, no entanto, vem gastando menos em cota parlamentar do que a anterior, que atuou de 2015 a 2018. Nos três primeiros anos de mandato, a bancada anterior de SC na Câmara dos Deputados gastou R$ 19,6 em cotas parlamentares. Em comparação com esse período, os atuais deputados gastaram 39% menos.

No entanto, o atual mandato tem praticamente dois anos com atividades presenciais restritas no Congresso, como sessões remotas, o que reduziu os deslocamentos à Capital Federal.

    • 1 mês de pagamentos do Bolsa Família em SC, aproximadamente. Segundo dados do Ministério da Cidadania, o valor mensal pago aos beneficiários catarinenses nos meses de abril a outubro de 2021 ficou entre R$ 13,3 e 14,6 milhões. O valor médio foi mais baixo nesses meses porque parte dos beneficiários recebiam o Auxílio Emergencial;

    • 35,4 mil parcelas do Auxílio Brasil ao valor de R$ 400, prometido pelo governo Bolsonaro, mas que ainda não alcançou essa quantia no primeiro mês. O benefício substituiu o Bolsa Família e teve os pagamentos iniciados semana passada;

    • Pagamentos de um mês do Auxílio Brasil às 24 maiores cidades de SC, também conforme dados do Ministério da Cidadania sobre os valores atuais, pagos em novembro.

    • 250 mil doses de vacina contra a Covid-19, conforme o valor unitário de 10 dólares pago pelo governo brasileiro à farmacêutica Pfizer;

    • 1 escola e meia, no modelo cívico-militar, com base no valor gasto pelo governo do Estado na unidade inaugurada em Palhoça, na Grande Florianópolis, em 2020. A estrutura custou R$ 8,9 milhões.

Gastos de SC entre os menores do país

Apesar de os valores terem voltado a subir este ano, SC ainda tem a segunda menor média de gasto de cota por parlamentar na Câmara dos Deputados, atrás apenas do Distrito Federal. Quando dividido o total de cotas parlamentares recebidas pelo número de cadeiras de cada estado, SC tem média de R$ 741 mil reembolsados por deputado entre 2019 e 2021. A média no Brasil foi de R$ 1 milhão, e o maior valor foi do Acre, com média individual de R$ 1,4 milhão. Vale lembrar que as cotas variam de valor de acordo com o estado, indo de R$ 35 mil a R$ 43 mil ao mês por deputado.

Quando comparados com três dois estados que têm população e número semelhante de cadeiras na Câmara dos Deputados, como Goiás, Pará e Maranhão, o total de gastos dos parlamentares de SC em cotas também é menor do que o desses locais. Goiás e Pará, que têm cada um 17 membros na Câmara, somaram entre 2019 e outubro de 2021 R$ 15 milhões e R$ 19 milhões, respectivamente. Já o Maranhão, que tem 18 vagas no Legislativo, teve R$ 20 milhões pagos aos deputados.

Em números absolutos, os R$ 11,8 milhões gastos pelos deputados de SC são o 13º maior valor entre os estados. A maior quantia é de São Paulo, que tem a maior bancada, com 70 deputados que receberam R$ 61 milhões ao longo do mandato. Os menores são Distrito Federal (R$ 4,4 milhões) e Rondônia (6,7 milhões), ambos com oito deputados federais.

“Moralmente você se distancia do exemplo”, diz professor

O professor de Administração Pública e coordenador do programa de extensão Educação e Cultura Política da Udesc Esag, Daniel Pinheiro, diz que de fato o valor das cotas é legal e que pode ser usado pelos parlamentares, mas que a situação atual do país também precisa ser levada em conta no uso desses recursos.

– A própria situação da pandemia já traz a certeza que vamos gastar mais com saúde, com a recuperação econômica, estamos com problema para conseguir recursos para benefícios. Não que vá vir daí o recurso para isso, mas moralmente falando você acaba se distanciando do que deveria ser feito, de dar o exemplo da economia – afirma.

Pinheiro afirma que um eventual aumento de gastos de viagens, por exemplo, ‘seria absurdo’ em período de pandemia, e diz que os parlamentares devem aproveitar o momento e rever os gastos.

– Agora, como está dentro da moralidade, é dever também do eleitor fiscalizar e ponderar se é realmente o que ele quer, que tipo de gasto ele queria ver o deputado ou senador dele fazer – avalia.

Além dos portais da transparência da Câmara e do Senado, outra ferramenta que pode ajudar o eleitor nessa missão de acompanhar os gastos em cotas parlamentares é a Operação Serenata de Amor, que utiliza inteligência artificial para monitorar os reembolsos dos deputados e identificar até mesmo casos suspeitos.

Passagens aéreas e aluguel de carros lideram despesas

As passagens aéreas e o aluguel de carros lideram as despesas dos deputados de SC. Entre 2019 e 2021, o maior valor é o de deslocamentos de avião, que somaram R$ 2,6 milhões. No entanto, mais da metade desse valor foi gasta em 2019, antes da pandemia de Covid.

Após a crise de saúde, que fez com que a maioria das sessões passasse a ocorrer de forma remota no ano passado, este gasto diminuiu. Passou de R$ 1,7 milhão para média de R$ 460 mil em 2020 e 2021.

Com essa queda nos gastos de passagens, o aluguel de veículos passou a ser a maior despesa dos deputados com verba da cota parlamentar. Foram R$ 2,1 milhões gastos de 2019 a 2021, sendo R$ 575 mil somente neste ano.

Confira as cotas gastas por parlamentares de SC por tipo de despesa

Os deputados que mais e menos gastaram

O deputado de SC que mais gastou em cotas parlamentares nesses quase três anos, de 2019 até 2021, foi Pedro Uczai (PT). Os gastos dele somaram R$ 1,1 milhão nesse período. O ano com mais despesas foi o primeiro do mandato, anterior à pandemia, com R$ 467 mil – quase toda a cota disponível para ele no período. O segundo que mais gastou é o deputado Fábio Schiochet (PSL), com R$ 1 milhão.

Quando considerados apenas os gastos de 2021, os papéis se invertem. Uczai é o segundo que mais gastou cota parlamentar, com R$ 288 mil, e o primeiro foi Fábio Schiochet (PSL), que consumiu R$ 308 mil. Os dados foram atualizados até 15 de outubro, mas os paramentares ainda podem apresentar notas de compras feitas nos últimos 90 dias.

Procurado pela reportagem do Diário Catarinense, a assessoria de Pedro Uczai respondeu afirmando que todos os gastos de cota parlamentar dele “estão dentro da lei e das regras/normas” determinadas pela Câmara. Informou que Uczai é o único deputado do PT em SC e que, por isso, teria uma ação “estadualizada”, junto a lideranças políticas, sindicais e sociais de todas as regiões. A nota da assessoria destacou ainda valores que o parlamentar ajudou a obter para SC e contribuições no trabalho legislativo como o aumento do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), discutido em comissão integrada por ele.

A assessoria de Fábio Schiochet afirmou que entende como fundamental as visitas aos municípios para identificar necessidades locais. Além disso, a assessoria do parlamentar informou que mesmo durante a pandemia, com sessões remotas, o deputado continuou indo a Brasília “porque convênios de prefeituras que me demandam estavam precisando ser encaminhados junto aos órgãos federais”. A nota destaca ainda uma contribuição na obtenção de R$ 115 milhões em emendas e convênios para o Estado.

O deputado com menor gasto

Já o deputado de SC que menos gastou a cota parlamentar tanto neste ano quanto no mandato todo foi Gilson Marques (Novo). O partido do legislador tem como uma das bandeiras a economia de recursos públicos. Nos três anos, Gilson gastou R$ 159 mil, equivalente a apenas quatro meses de cota que teria disponível. Em 2021, o deputado consumiu R$ 33,9 mil.

À reportagem, Gilson Marques informou que utiliza os recursos “para o estritamente necessário, sem prejudicar a atuação e o mandato”. Ele diz que não utiliza a cota para “aluguel de veículos de luxo” ou “jantares caros”, mas reconhece que a pandemia e as sessões remotas também contribuíram para a redução dos gastos, já que viajou menos a Brasília. Ele ainda critica os gastos de outros deputados afirmando que “ao que parece, transformam o valor da cota de quase R$ 40 mil mensais em meta de gastos”.

Gastos podem ser racionalizados

O mestre em Sociologia Política Wilson Lobe Júnior diz que não é possível apontar se um parlamentar gasta de forma eficiente ou não os recursos apenas com base no valor, mas que é preciso analisar a finalidade de cada gasto. Verbas para viagens, por exemplo, devem ser consumidas para analisar necessidades da população e ter relação com a atividade parlamentar.

Ele diz acreditar que existe um exagero nas verbas disponíveis aos parlamentares, mas que a discussão sobre a possível redução desses valores, que deveria ser constante, costuma reaparecer somente em períodos próximos a eleições.

– Poderíamos racionalizar esses gastos tendo por base que eles devem ser efetivos com relação ao trabalho do parlamentar – avalia.

Lobe Júnior também não crê que exista uma maior cobrança da população sobre esse tema.

– Nossa sociedade está muito bipolarizada. As pessoas estão vigilantes não porque efetivamente o político precisa ser vigiado, mas sim para poder cobrar o político que a desagrada – analisa.